3  Consequências indesejadas e limitações da medição de desempenho

Este importante capítulo apresenta os efeitos indesejados e fatores limitantes da medição de desempenho no setor público em função da sua complexidade.

3.1 A complexidade da gestão organizacional e do setor público

As organizações são coleções de elementos tangíveis e intangíveis, cujo desempenho é determinado por múltiplos fatores e condições, internos e externos (Adcroft; Willis, 2005), onde os indicadores de desempenho avaliam áreas pré-determinadas nos sistemas de medição sem fornecer uma noção sobre o todo (Halásková; Halásková, 2020); portanto, indicadores são dão suporte à gestão, mas não a fazem a gestão organizacional por si. Nesse sentido, as pesquisas afirmam de forma uníssona:

Nota

As medições de desempenho apenas apontam condições existentes, o que necessariamente requer ações e decisões dos gestores para o alcance do desempenho desejado (Smith, 1995; Van De Walle; Van Dooren, 2006; Lundberg; Balfors; Folkeson, 2009; Bahia, 2021; Taylor, 2021).

Smith (1995) recomenda cautela na interpretação dos resultados provenientes da medição de desempenho, pois nem sempre eles vão incluir:

  • o desempenho de outros setores ou órgãos complementares;

  • variações e/ou ajustes no ambiente organizacional (alguns de longo prazo);

  • variações nas medidas em função de flutuações sazonais que terão reflexo posterior nos indicadores.

Especificamente na medição do desempenho de subunidades similares pertencentes ao mesmo órgão, podem existir resultados distintos, em que Smith (1990) aponta como fatores:

  • custos e orçamentos distintos;

  • diferença de objetivos internos;

  • uso diverso dos recursos disponíveis;

  • erros de medição ou manipulação de dados.

Portanto, é imperativo considerar diversos indicadores para se medir unidades ou organizações para compará-las, uma vez que algumas podem ter bons resultados em certos indicadores, porém, resultados ruins em outros; logo, não é fácil tirar conclusões acertadas sobre a organização como um todo, mesmo com uma série de indicadores de desempenho (Smith; Street, 2005).

Devido ao amplo escopo, diversidade de objetivos e de stakeholders (partes interessadas), restrições legais e orçamentárias, o setor público é um ambiente complexo, onde sistemas de medição de desempenho mal projetados podem ser disfuncionais, gerar consequências não intencionais e adversas com resultados diferentes dos esperados; dessa forma, podem reduzir a credibilidade da administração pública (Pidd, 2005; Borst; Lako; De Vries, 2014) e até serem abandonados (Arnaboldi; Azzone, 2010). Nos SMD, efeitos indesejados podem ser resultados da má implementação, falta de uso do sistema, descompasso entre as práticas reais e declaradas, além da resistência da força de trabalho (Steccolini; Saliterer; Guthrie, 2020).

Além dos efeitos indesejados, estudos apontam fatores limitantes à medição de desempenho (alguns deles provenientes da própria complexidade do setor público) como: excesso de indicadores (Gao, 2015), uso meramente simbólico (Gębczyńska; Brajer-Marczak, 2020), seleção inapropriada de indicadores (Ensslin; Welter; Pedersini, 2022), substituição precoce de indicadores (Oppi; Campanale; Cinquini, 2022) e conflito entre stakeholders (Leca; Laguecir, 2023).

O conhecimento prévio desses efeitos e fatores é importante para o desenvolvimento de indicadores e sistemas de medição, especialmente para superá-los, motivo pelo qual eles são apresentados a seguir.

3.2 Consequências indesejadas dos SMD no setor público

O quadro abaixo apresenta algumas consequências não intencionais do uso de indicadores de desempenho no setor público apontados por Smith (1995) e descritos por Freeman (2002):

Consequências não intencionais do uso de indicadores de desempenho no setor público
FENÔMENO DESCRIÇÃO
Visão em túnel Ênfase restrita ao fenômeno mensurado pelo indicador
Subutilização Busca de objetivos limitados, ao invés de objetivos organizacionais
Miopia Perseguição exagerada a metas de curto prazo
Fixação em medidas Foco nas medições ao invés dos objetivos a elas associados
Deturpação Manipulação deliberada de dados e informações
Falsa interpretação Realização de inferências falsas sobre o desempenho medido
Gaming Manipulação deliberada de comportamento para se obter vantagem
Ossificação Paralisia organizacional pela rigidez do sistema de medição

Os exemplos acima revelam fenômenos indesejados por meio do comportamento dos gestores diante da medição de desempenho organizacional. Trata-se de um alerta importante a ser internalizado antes da implantação de sistemas de medição de desempenho nas organizações.

3.3 Fatores limitantes à medição de desempenho no setor público

Na sequência são apresentados em ordem alfabética outros 27 fatores limitantes ou barreiras à medição de desempenho no setor público provenientes de pesquisas científicas publicadas, cujo conhecimento prévio se faz necessário a toda força de trabalho que atua diretamente ou indiretamente na medição de desempenho organizacional na administração pública.

Fatores limitantes à implantação da medição de desempenho no setor público
# FATOR DESCRIÇÃO
1 Ambiguidade Falta de clareza e consistência (causal ou intencional) nos processos de medição de desempenho.
2 Burocracia Excesso de procedimentos burocráticos que restringem ou causam mora excessiva à implantação de um SMD.
3 Comunicação interna Ausência de comunicação à força de trabalho sobre a importância, implantação e funcionamento do SMD.
4 Confiança excessiva O excesso de confiança nos resultados da medição de desempenho sem uma avaliação mais abrangente e criteriosa.
5 Conflito entre partes interessadas Dificuldade no ajuste das medições devido à diversidade de partes interessadas e seus respectivos focos.
6 Cultura organizacional Falta de incentivos organizacionais e possibilidade de sanções em caso de resultados negativos.
7 Dificuldade em um modelo único Dificuldade de implantação de um modelo único e comum de SMD para todas as instituições.
8 Dimensionamento de metas Metas atreladas aos indicadores dimensionadas de forma incorreta, desconsiderando a realidade dos resultados.
9 Diversidade de objetivos Os objetivos organizacionais nem sempre são todos abrangidos pelos indicadores de desempenho, devido à ampla diversidade no setor público.
10 Excesso de indicadores de desempenho Elevado número de indicadores tornando-os prejudiciais pela quantidade de informação coletada e não gerida.
11 Força de trabalho Decisões incorretas em função da falta de habilidade e/ou capacitação da gestão e força de trabalho.
12 Influência política Escolha de indicadores de fácil medição e gestão a fim de esconder fragilidades institucionais.
13 Informalidade e/ou corrupção Adoção de práticas diversas (sem registro oficial ou normas de protocolo).
14 Interferência endógena Os indicadores, quando estabelecidos, podem influenciar e, consequentemente ,interferir na realidade a ser medida.
15 Interpretação e divulgação de resultados Dificuldades internas na comunicação das medições, na interpretação e divulgação dos resultados.
16 Liderança O suporte da liderança é um fator que aumenta o sucesso na implementação de um SMD.
17 Indicadores subdesenvolvidos Indicadores desenvolvidos de uma forma limitada ou muito seletiva; ou ainda indicadores existentes, porém parcialmente utilizados.
18 Manipulação Alteração das informações produzidas pelos indicadores visando apresentar resultados favoráveis às partes interessadas.
19 Qualidade dos dados e medições Dados e/ou medições de baixa qualidade ou confiabilidade.
20 Representação limitada Desconsideração de que indicadores são representações imperfeitas e transitórias da realidade em avaliação.
21 Resistência da força de trabalho Comportamento cético da força de trabalho e resistência às novidades tecnológicas e mudança de paradigmas.
22 Resultados intangíveis Dificuldade em se prever indicadores para dimensões intangíveis, o impacto por meio do valor público e social gerado.
23 Seleção inapropriada de indicadores A seleção e o consequente uso de indicadores inapropriados ou inadequados à organização.
24 Significância da medição Adoção de indicadores não estratégicos ou sem importância institucional apenas pela facilidade de medição.
25 Substituição precoce Troca sistemática de indicadores em um curto período, deixando de se alcançar um histórico que permitiria a comparação e o aprendizado institucional.
26 Uso distorcido Indicadores empregados como um fim em si mesmo e não como parte de um amplo processo avaliativo.
27 Uso simbólico Indicadores empregados apenas para legitimar externamente a organização

Apesar do elevado número de efeitos indesejados e fatores limitantes à implantação de indicadores e sistemas de medição, os benefícios gerados (conforme apresentado na subseção anterior) os superam em intensidade e ganho, tanto para a sociedade quanto para as instituições, dando, assim, propósito a este guia e aos diversos outros estudos e artefatos similares.

Após o conhecimento dos objetivos, benefícios e restrições a medição de desempenho no setor público, tem-se a síntese deste desta primeira parte do guia. No capítulo seguinte, inicia-se a fundamentação necessária para a construção de indicadores de desempenho para as instituições do setor público.